25 maio 2010

A amplitude do Direito Constitucional ao silêncio.

                     Hodiernamente o debate efervescente que se trava em torno do direito constitucional de permanecer calado é se, além de abranger comportamentos de passividade do acusado – recusar-se a depor, recusar-se a fornecer material gráfico ou vocal –, deve incluir também o direito de impedir que o estado obtenha prova cuja existência material seja conhecida, mas que dependa da submissão do acusado – obtenção de sangue para exame pericial.

                                A primeira previsão legal dessa garantia individual do acusado foi no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 (art. 14, n.°3, ‘g’). Alguns anos depois, em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos — Pacto São José de Costa Rica — também garantiu, em seu artigo 8.°, n.° 2, ‘g’, de que toda pessoa tem o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.”

                                Veja que o direito ao silêncio[1] só consagrou-se, no Brasil, 20 anos depois dos Pactos Internacionais, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, conforme se lê no art. 5.°, inciso LXIII, que o “preso será informado de seus direitos, entre os quais de permanecer calado, sendo assegurada a assistência da família e de advogado”.

                                Um dado importante para entender melhor essa garantia constitucional, é que, em 1992, o Brasil ratificou aqueles dois Pactos, através dos Decretos n.° 592/1992 e 678/1992, sendo incorporado em nosso ordenamento nacional o princípio do nemo tenetur se detegere. Em virtude do artigo 5º, § 2º, da CF, esse princípio possui status de direito fundamental, vale dizer, possui a mais alta patente que uma norma pode ter, isto é, a de um princípio-garantia de hierarquia constitucional.[2]

                                Nessa esteira, é que o preceito constitucional (direito ao silêncio) surge como corolário do princípio latino nemo tenetur se detegere que, segundo se afirma, “ninguém é obrigado a se descobrir”[3] (ou seja, autoincriminar-se). Nesse sentido, o prof. AURY adverte que o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório.[4]

                                Na verdade, o nemo tenetur se detegere, dado o campo de sua amplitude, acaba por abranger o direito ao silêncio, não se restringindo a este último. Ou seja, tal preceito vai muito mais além do que o direito ao silêncio (comportamento passivo do acusado), para então atingir um direito mais amplo, qual seja, o direito de não se autoincriminar (inclui, aqui, o direito do acusado de impedir o Estado de obter prova invasiva, sem seu consentimento). Daí a assertiva doutrinaria de ser o direito ao silêncio umas das decorrências do princípio do nemo tenetur se detegere.

O que se quer frisar é que o direito ao silêncio ou permanecer calado, uma das maiores garantias do devido processo legal, cláusula constitucional (art. 5.°, LXIII, 1 parte), ultrapassa os limites de sua própria redação, ou melhor, como reconhece a doutrina, deve ser interpretado como sendo o direito de não produzir prova contra si mesmo.

Indo mais além, AURY afirma que se conjugando com a presunção constitucional de inocência, bem como com a necessária recusa a matriz inquisitória, é elementar que o réu não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo ou prejudicar sua defesa.[5]

Por isso, não é razoável exigir-se a cooperação do acusado para obtenção de quaisquer provas incriminadoras (invasiva ou não). Inclusive, no Brasil, o STF tem proclamado a inadmissibilidade de compeli-lo a fornecer material gráfico[6], participar de reprodução simulada dos fatos[7] e também a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial de confronto de voz em gravação de escuta telefônica[8]. Inclusive, não está obrigado a fornecer materiais para a realização de exames periciais que exigem intervenções corporais (exame de sangue, teste de alcoolemia, de DNA) e ao fornecimento de material escrito para realização de exame grafotécnico.

Por fim, sufragamos do entendimento de que o direito ao silêncio (i) estende-se aos indiciados ou acusados, até mesmo aqueles que em razão de suas declarações se coloque em risco de suportarem um processo criminal, como vítimas e testemunhas; (ii) incide em feitos de natureza penal ou extrapenal (processos administrativos, sindicâncias, ou qualquer outra forma de procedimento que possa redundar em punições disciplinares); (iii) e abrange tanto o comportamento passivo como ativo, impedindo que o Estado-Leviatã obtenha provas invasivas.


[1]Que é o selo que garante o enfoque do interrogatório como meio de defesa e que assegura a liberdade de consciência do acusado. (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 9. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais).
[2] QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo – o princípio Nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. Editora Saraiva, 2003, p. 80.
[3] QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo – o princípio Nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. Editora Saraiva, 2003, p. 04.
[4] lopes jr., aury. direito processual e sua conformidade constitucional. vol. i. – rio de janeiro: editora lúmen juris, 2007, p. 204
lopes jr., aury. direito processual e sua conformidade constitucional. vol. i. – rio de janeiro: editora lúmen juris, 2007, p. 205.
[6] HC 77.135-8. Rel. Ilmar Galvão, RT 760/542.
[7] HC 69.026-DF, rel. Celso de Mello, DJU 4.09.92, RTJ 142/855.
[8] HC 83.096-RJ, rel. Ellen Gracie, Informativo STF n.° 330.

24 maio 2010

DIVULGAÇÃO DE EVENTO

Prezados Colegas, divulgo o evento que o nosso Vice-Presidente da ACRIERGS participará:

Na próxima segunda-feira, 31/05, das 19 às 22:30h, realizaremos - ACRIERGS e ULBRA, Gravataí -, no auditório da Universidade, sito na Av. Itacolomi, 3600, em Gravataí, um evento conjunto, direcionado a nossos alunos e, também, de modo especial, aos advogados criminalistas, denominado ADVOCACIA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.


Os palestrantes - todos advogados criminalistas militantes - serão os seguintes:


1 - Gilberto de Espíndola - Advocacia criminal e suas mazelas;


2 - Lúcio de Constantino - Nulidades no processo penal;


3 - César Peres - O juiz criminal no Estado Democrático de Direito: o juiz de garantias.


Este será apenas o primeiro dos muitos projetos que pretendemos realizar em prol dos advogados criminalistas. A participação de um número expressivo de colegas certamente abrilhantará o evento.


Não há custo de inscrição.


Grande abraço.


César Peres
Vice-Presidente da ACRIERGS

12 maio 2010

Artigo publicado no Jornal do Criminalista - ACRIERGS

Carta psicografada como meio de prova no Tribunal do Júri


Em julho de 2003, em Itapuã (RS), dois réus foram acusados como autores de homicídio e julgados separados. O primeiro foi condenado pelo crime; o segundo foi absolvido. Em relação a essa absolvição se travou um longo debate sobre a carta psicografada juntada pelo advogado de defesa, Dr. Lúcio de Constantino.
Alguns anos depois, meados de dezembro de 2009, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a absolvição do acusado, trazendo à tona novamente a efervescente discussão sobre a aceitabilidade em si, da carta, em um processo criminal.
Lembro-me que na época do julgamento era aluno do Prof. Lúcio de Constantino e tive a oportunidade de questioná-lo muito sobre o tema, chegando à seguinte conclusão. Vejamos.
Em primeiro lugar, importante ressaltar que não há em nosso ordenamento jurídico previsão legal no sentido de proibir a utilização da carta.
Segundo, que a argumentação de que a psicografia é religião, e o judiciário não é religioso não merece prosperar, pois a carta psicografada trata-se de uma conseqüência da doutrina espírita que, na verdade, todo o ser humano carrega consigo, não se confundindo com religião.
Mais: a psicografia não viola as garantias constitucionais do contraditório ou da ampla defesa. Veja-se que a carta pode até ser refutada, já que é passível de exames grafotécnicos ou de confrontação de conteúdo.
Por outro lado, o espiritismo é considerado, pelos estudiosos da matéria, como uma ciência do Espírito e de suas relações como homem, tendo seu objeto de estudo a existência de vida espiritual. E para a caracterização de uma ciência é necessária uma estrutura de estudo que carregue elementos da lógica, da testabilidade, da universalidade, da convergência, da similaridade e da descrição. E, de fato, estes elementos estão presentes nos fenômenos da psicografia.
Portanto, em que pese à utilização da psicografia seja ainda discreta no âmbito processual, penso que se deva dar melhor atenção a ela, pois se muitas vezes é explorada para investigações, é de ser admitida como meio de prova no processo criminal, até porque não se mostra como ilícita ou ilegítima.
Klayton Tópor

10 maio 2010

ACRIERGS

Senhores!

Amanhã,11.05, terça-feria, às 18hs, na sede da OAB/RS - sita na Rua Washington Luiz, n.° 1110, 2.° andar, em Porto Alegre - haverá a solenidade em que o Dr. Cláudio Lamachia dará posse à nova Administração da ACRIERGS - Diretoria e Conselho.
Contamos com a presença de todos. 
Grande Abraço.





Alteração do Código Penal

A Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010 altera os artigos 109 e 110 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1o  Esta Lei altera os arts. 109 e 110 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para excluir a prescrição retroativa
Art. 2o  Os arts. 109 e 110 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passam a vigorar com as seguintes alterações: 
“Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
............................................................................................. 
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
...................................................................................” (NR
“Art. 110.  ...................................................................... 
§ 1o  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. 
§ 2o  (Revogado).” (NR
Art. 3o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 
Brasília, 5 de maio  de 2010; 189o da Independência e 122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVALuiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.5.2010